O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e determinou a suspensão nacional de todos os processos que questionam a validade de provas obtidas a partir do compartilhamento de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem autorização judicial.
A medida, embora revestida do discurso de “evitar insegurança jurídica”, levanta questões delicadas sobre o papel do STF e a crescente centralização de poder em torno de um único ministro, que volta a protagonizar decisões de impacto nacional.
O pano de fundo da suspensão é um conflito interpretativo entre o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Enquanto o Supremo já havia fixado entendimento no Tema 990, permitindo a troca de dados de inteligência entre Coaf, Ministério Público e polícias sem a necessidade de autorização judicial, o STJ, em decisões recentes, tem restringido essa interpretação, chegando a trancar inquéritos e anular provas.
Moraes justificou sua decisão alegando que a falta de uniformidade estaria gerando “graves consequências à persecução penal”, como a soltura de investigados, anulação de operações policiais e a devolução de bens apreendidos.
O lado preocupante da decisão
Apesar da retórica de eficiência no combate ao crime organizado, a decisão escancara um ponto sensível: até que ponto o STF, especialmente por meio de decisões monocráticas de seus ministros, pode se sobrepor de forma tão incisiva a outros tribunais e congelar, de uma só vez, a marcha da Justiça em todo o país?
Na prática, Moraes coloca em compasso de espera centenas de processos, blindando a posição do Ministério Público e da PGR até que o STF se pronuncie de maneira definitiva. O problema não está na necessidade de uniformização, mas no método: mais uma vez, um único magistrado concentra poderes que afetam diretamente investigações, prisões e até condenações em todo o território nacional.
Entre a lei e a conveniência
É legítimo discutir os limites do compartilhamento de dados financeiros sem ordem judicial – afinal, estamos tratando do equilíbrio entre combate à criminalidade e preservação de direitos fundamentais, como a privacidade. Mas o que se observa é que, diante da divergência entre cortes, prevaleceu a lógica da suspensão ampla e centralizada, uma solução que parece mais política do que jurídica.
Enquanto isso, os cidadãos assistem à cena comum da Justiça brasileira: a última palavra sobre o destino de operações contra corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação não está na lei clara, mas no entendimento momentâneo de ministros do STF – muitas vezes individuais.
No fim das contas, a decisão de Moraes pode até trazer uma trégua momentânea ao impasse entre STF e STJ, mas reforça a percepção de que o Supremo se tornou não apenas a última, mas a única instância efetiva de poder sobre as grandes questões jurídicas do país.
E quando o destino da Justiça depende mais da caneta de um ministro do que das instituições em conjunto, a chamada “insegurança jurídica” não está sendo evitada – está apenas sendo administrada conforme a conveniência do tribunal.
Por Marcos Soares
Jornalista – Analista Político instagram.com/@marcossoaresrj | instagram.com/@falageralnoticias
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